terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Pré-Natal

Herodes o encontrou.
E foi assim que o amor
morreu de véspera.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Amor líquido

Nua,
a ninfa
brinca na flor d'água.

Brinca
a água
na flor da ninfa nua.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Microfábula





Há um leão
na pata
do meu espinho.


Pintura de Odilon Redón

sábado, 6 de dezembro de 2014

Visitação


Sempre que ela passa por aqui,
o cheiro fica.
Fica em mim, nas roupas, na pele
e, mesmo depois de dias,
ainda consigo sentir uma nota e outra,
perambulando pelo quarto,
adormecidas nos lençóis e nos travesseiros.

Por aqui, ela também deixa cabelos.
Fios de ônix, que encontro presos aqui e ali,
e que me fazem ter certeza, de que as coisas aconteceram.
Fico com vontade de usá-los, para clonagem,
e assim, poder tê-la, toda vez que eu quiser.
E deixar que ela deite a cabeça no meu peito,
e buscar água e alguma besteira na cozinha, pra ela.
E fechar os olhos e beijar sua boca, e segurar sua mão pequena
na minha, deixando os dedos preencherem os vãos
dos dedos dela.

Nos intervalos, conversamos, sobre várias coisas,
e eu tenho uns olhos que gostam muito de olhar,
quando gosto do que olho.
Mas isso a desarma,
como se ela pensasse que eu sei o que se passa
dentro de sua cabeça de menina e de moça.

Então, ela cora e ri, sem-graça. E eu sinto que toquei
uma planta-dormideira, o que é uma pena.
Ela está segura, dentro de seus olhares perdidos,
por baixo de suas sobrancelhas que lembram
fios perdidos de nuvens negras no céu.

Eu não faço ideia do que ela pensa,
nem do que sente, eu só olho,
comovido
e sem tranquilidade,

Deitado, como um sátiro domado.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

De Maria Gabriela Saldanha

Faz, sei lá, sete anos que este blog existe, e eu nunca havia cogitado postar algo de outra autoria aqui. Mas arrematei este quadro, profundo e exato auto-retrato meu, pintado pela mão da maior poetisa viva que conheço, e que agora exponho na acarpetada parede carmesim deste labirinto.



Eu não sei por que te amo.
Acho que por uma dessas belezas tão cruéis quanto incalculáveis
(As que nomeiam as genialidades das estrelas).
Deus colocou sua mão de ouro em minha carne e todos os ecumenismos nasceram de meu ventre. Porque te amo.
Não sei ainda por que meu coração bate na língua de uma criança ou na espinha dorsal de uma orquestra quando penso que te amo.
Não sei por que o esquecimento não me adormece aos sábados.
Nem por que minha sombra dança tambores quando me aprisiona a rotina e lembro que te amo.
Eu não sei por que não me morre esse fragmento de vida insolúvel, que é amar-te. 
Nem por que não me envelhecem meninos, nessa festa infinita que é meu rosto a poucos centímetros dos teus abismos.
Só sei que te amo, apenas e apesar. Desde então, todo o inexplicável repousa no colo das mães e dos dias. 
Não sei quando molho a terra com tua sede ou quando apaziguo soldados com tua fúria de homem. 
Nem mesmo quando desescrevo diários ou desinvento futuros por teu egoísmo, a quem escolhi chamar esperança. 
Desesperam-me auroras, desencorajam-me flores e outras fêmeas perturbações sacerdotisam minha espera.
Não sei por que te amo.
Por que não me perdoo por um orvalho, uma Lua, um girassol.
Por que me condenei a assentar séculos sob a memória de instantes – como Orixás e seus códigos.
Não sei por que te amo,
Mas sei que verbos me doam e galáxias me assombram em teu nome.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Cama de gato


Crianças invisíveis
despertam,
assim que nos abraçamos
e dormimos.

E brincam ao nosso redor.
Iluminadas apenas
por um acorde
de velas acesas.

Não as vemos, quando acordamos.
Só sabemos que estiveram aqui,
porque teceram emaranhados
com nossos dedos
entrelaçados.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Esperança

Jardineiro irresoluto,
que dentro do luto
ainda rega
a planta morta.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Sátiro enamorado se acobarda e entoa um blues

De longe
vejo ela
e só a vejo.
E,
de longe,
o menino que fui,
sorri,
e se arruma,
se perfuma,
cata flores dispersas
de várias cores,
faz um buquê,
e vem assoviando,
pelo caminho.

Ela não se dá conta,
e se dá, não diz,
de que, quando eu me chego
e aceno, ou cumprimento,
e pergunto como está a vida,
se está tudo bem,
se está feliz,
é o menino quem o faz
através de mim.

Mas o menino,
confiante e corajoso,
caminha pelo tempo,
e nunca vai chegar
até aqui.
Então não consigo dizer
como eu a quero, como eu a sonho,
e que, dessa maneira,
eu sempre fiz
e sempre quis.

E fico aqui,
e ela lá,
e de longe,
de bem muito longe
o menino
tenta me alcançar.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Arcano IX

Nas profundezas, o peixe pesca
com sua isca luminosa,
peixes totalmente cegos.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

A face real

O espelho é o melhor amigo do homem. Mais fiel que o cão, mais acolhedor que a mãe, mais pontual que o sol e mais sincero que a verdade. É através dele que despimos as máscaras, que descobrimos cicatrizes, feridas e marcas do tempo, dos excessos e também das faltas. Um espelho nunca mente, nunca exagera, nunca poupa e nunca distrai. Somente o espelho é capaz de dizer, sem rodeios, aquilo que é preferível não ouvir, ou o que seria melhor não enxergar. Ele não deixa possibilidade de fuga ou dúvida, nem oferece alternativas à realidade. É o espelho linear, opositor, cristalino, quem tira o homem de nirvanas etéreos e o traz de volta ao apocalipse bruto e cruel de sua condição. Os homens deveriam adorar os espelhos, como fazem com deuses e heróis. Adorar por, em sua lucidez de lâmina fria, dimensionar a nudez fatídica de quem quer que vá até eles, afugentando o medo e a ilusão de que nenhum de nós está sozinho.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Beleza Borrada


A sombra, não a imagem inteira.
O que não tem contraste por não ter contornos.
Um índice, um sussurro apenas.

Eu só saio em busca
do que parece que está lá.
Do que penso que está lá.
Seja lá o que for.
Seja onde for lá.

Se parece que me chama.
Se parece que me quer.
Eu vou.
E só me entrego
ao que é inexato.

Amar é uma questão de fé.
Fé que tenho nos enganos do meu corpo.
Crença em lendas e confabulações.

Meu amor é do tempo em que os homens
aprendiam dos animais.
E, por conta disso, já não encontra
sabedoria nos mais velhos.

Porque é preciso ser
muito velho, mais que antigo,
pra eu compreender e aceitar como certo
o que me dizem.

Vou em busca dos trechos perdidos
riscados e cortados
da versão final de quem eu amo.
Procuro, entre o que está escrito, o que foi apagado.
O ímpeto, o baixo-relevo invisível.
Tudo que preciso encontrar é a ignição
Reverter a cinza em fogo
e finalmente, o fogo em faísca.

É na centelha
que reside meu desejo.
É no atrito primevo,
que termina
minha busca.

sábado, 31 de maio de 2014

Vigília

Em alta velocidade,
as locomotivas do diabo
fazem estremecer as casas,
deixando na rua um rastro
de fogo, fumaça
e asfalto fundido.

O vento, por sua vez,
cavalga,
gelado e negro
o negro cavalo
da noite sem fim.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

The Kiss

Peito contra peito,
Orfeu e Eurídice se tateiam
na escuridão das duas bocas,
dois infernos que colidem
em expansão.

O Tempo, aprisionado,
deixa de lado a foice,
algoz de nada,
amante da sombra
e do descanso.

Mãos cegas moldam
o barro dos rostos
colados,
mas não os unem.

Quatro olhos se abrem, e a luz
traz de volta o velho mundo.

O Tempo se libertou
e avançou pelas sombras.
Um coração bate acelerado,
o outro é tragado, num átimo,
de volta ao abismo.

Ninguém é testemunha,
quando Sísifo enxuga da testa
as lágrimas do homem
que despenca.

Costas contra costas,
só um de nós dois concebe
o presente
como um presente.





The Kiss, Edward Munch

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Pingente



A minha neguinha


Imersos na luz tênue e indireta
da vasta planície do quarto,
sob a formidável marquise
do teu maxilar,
meus olhos se levantam
e penduram,
em teu pescoço,
um poema de amor.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Torá! Torá!

Se um amor lhe chega no outono,
quando tudo que é morto cai
por terra, e o vento carrega,
pela leveza ou inconstância,
e a cor abandona o campo
e a flor, de precoce, murcha,
que alegria ou promessa vinga
num coração enodado?

Que seiva antiga se agita,
que fome e que sede inimiga
despertam ao caído soldado
em já desertado abandono
e o levam de volta à trincheira,
e o mandam avançar pelas linhas
e buscar a perdida bandeira,
se um amor lhe chega no outono?

Se é morto o que o vento ali varre,
se é certa a derrota, se a fome
não vai encontrar que a mitigue,
Por que é despertado do sono?

E no campo enevoado e impreciso,
esse vento assovia seu aviso,
por que segue, depois de alvejado,
se um amor lhe chega no outono?

segunda-feira, 17 de março de 2014

Declaração universal

Eu te amo.
Te amo, porque você é bonito.
É bonito, forte e inteligente.
Sabe falar, tem gestos leves,
e se porta bem em público.

Eu te amo, porque seu cheiro é bom,
e sabe harmonizar pratos, com vinho.
Gosto da atenção que me dispensa
e tenho tesão nas veias de seus braços.

Eu te amo, porque você tem valores
e princípios que fazem uma boa pessoa,
dessas que você não vê mais por aí.

Te amo, ainda, por seu discurso,
por suas ideias,
por sua preocupação com o mundo
e com um futuro bom pra todos.

Eu te amo, ainda que você esteja
prestes a me ferir com sua raiva,
com seus instintos, com sua irrazão,
e sua frieza de monstro.

Te amo, com minhas tripas em seus dentes,
te amo com beijos a seus murros doídos,
e verto jóias límpidas dos olhos,
pra tributar suas palavras rudes,
seus xingamentos, suas terríveis
e titânicas intempéries.

Eu te amo, porque me abandona,
quando tudo se torna escuro,
e você não quer seu choro exposto,
e sua dor presenciada.

Te amo, e continuarei te amando,
quando tiver razões para massacres,
e banhar o mundo a sangue-frio
e lavar a casa
com o sangue de seus filhos.

Eu te amo, sob a luz fraca e difusa
do beco onde você estupra,
do quarto onde você mantém cativos
e por trás da máscara sórdida
que dá outro rosto a sua bizarrice.

Eu te amo, porque é completo.
Porque traz a mancha da aquarela
e do abate.
Porque tem em si a chave que liberta
e que encarcera.
Porque erra e acerta, porque é bálsamo
e veneno.

Eu te amo por tudo isso,
mas não por aquilo que você é...
e sim pelo que é
verdadeiramente o amor.





sábado, 22 de fevereiro de 2014

Desconsolo

Ao final de tudo, meu bem,
seremos sombras.

Nossos olhares perderão o brilho,
e nossos toques o calor.
Nossos beijos trincarão secos, despetalando.
Nosso sexo sem gozo e estático
será só o peso
sobre o lençol amassado.

Seremos apenas sombras, meu bem.
E o tempo borrará nossas formas,
e deixaremos uma mancha
cinzenta
em sua mão.






(Cupido e Psiquê, Edvard Munch)

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Sunset in the Appalachians



Quando me despedi de meu cavalo,
abracei-me ao pescoço dele
e chorei.

Não quis olhar pra trás, pra vê-lo pela última vez,
para vê-lo indo pro sacrifício.

Não queria que ele soubesse
que eu ia morrer.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

All in

Os peixes e caranguejos
descarnaram a minha mão submersa.

Entre os ossos dos meus dedos
ainda seguro
um four de ases.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Nihilema

As primitivas vogais
guturam
do ar alto e aberto
à furna profunda e escura
e minha voz não está com elas.

Transitam, solertes,
consoantes várias,
umas diretas, esmurrantes,
aríetes contra o silêncio,
outras ressentidas, magoadas,
temerosas diante do mar
e do infinito.

Há ainda as que estalam, as que sussurram,
ninfas de som, escondidas e risonhas
nos intervalos e meandros da palavra.

Há, porém, em minha voz,
um som que ninguém jamais ouviu.
Um som não catalogado, não grafado,
que a ninguém estimula, e que morrerá comigo.

Um som que veio antes de tudo, junto com o Verbo,
e que se refugiou em mim, fugindo da Luz.
Um som que protejo com a vida, e que pulsa,
quando ninguém está por perto,
e que é capaz de milagres,
que se transubstancia e transfigura,
que vai morrer de velho e de sábio,
tendo escapado da estrela
e da cruz.

Cronos Maieuta


Suada, os dentes rilhando,
agarrada aos lençóis,
gemendo, de pernas abertas,
e por fim,
gritando.
Reia pariu doze gozos
e eu devorei a todos.

domingo, 12 de janeiro de 2014

O céu bonito


Ontem, a noite estava linda,
e isso é um grande presente.

Eu não consigo olhar pro céu,
sem uma imensa reverência,
e não consigo desafiá-lo
ou castrá-lo.

O céu continua nos devorando a todos,
e não pode haver melhor destino - constelar-se.

O universo é uma caixa de jóias, aberta,
e seus tesouros estão ao alcance de todos.

Nós somos o céu, e o céu é tudo.
E não adianta teorizar o contrário.
O universo, nós, o céu e a beleza
tudo é uma coisa só,
uma coisa infinita.