Tudo indo. Nem bem nem mal, mas indo. Quando é assim, é quase uma modéstia de indo mal, mas no fim das contas, fica mesmo indo.
Apesar de as janelas mostrarem sempre a mesma coisa, sem movimento nem nuances, é onde meu olhar se concentra, nos trajetos. De noite, consigo ver um pouco do meu rosto, incorporado àquilo. Uma coisa e outra chamam atenção, às vezes. Algo no céu, mulheres bonitas, o rio e a serra na ponte, os flashes de conversa e os semblantes puídos da gente daqui. Mas, sutilmente, eu tentava captar a mulher, com visão periférica, mais inclinado ao interior do ônibus.
Ficamos um pouco encostados um no outro, eu e a moça. Um ponto no meu braço, outro na minha perna. Os braços, não há como desencostá-los, mas a perna poderia ser recuada. Não foi, a minha nem a dela. E tudo assim... o ônibus, as velhas, os outros passageiros, a paisagem mesma e sem nuances. A moça e eu, indo, colados por dois pontos sem reticências nem final. Quase (muito quase) modéstia de reticência, mais ainda, de travessão. Um calor trocado, sem alternativa, dois pontos de contato espontâneo, que o acaso imprimia no tudo que ia. Nenhuma vontade, nenhuma tensão.
Apenas aquela versão inédita de misericórdia, passando entre os tecidos da minha pele e de sua blusa, e de nossas calças. Uma pietá mútua, singela e osmótica, de que talvez ela também se tenha dado conta. Fomos indo, através da noite, atrelados ali, laquéticos, mas em frouxidão. Um carinho morno de poros amassados e pontas de nervos, fagulhando sinapses naquela escuridão que jamais nos abandona.
Emproei-me, para solicitar a parada, apertando o interruptor do acaso, deixando, naquele ponto, seu fio e sua meada, e seguir com o meu e a minha.
Ela girou no assento, abrindo caminho.
Obrigado.
Indo na direção da porta, olhei pra seu rosto. Baixo, concentrado nas mãos cruzadas sobre as pernas, agora bem juntas e centradas. Olhos cansados ou tristes. Era bonita.
Saltei.