sábado, 27 de dezembro de 2008

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Nem isto nem isso nem aquilo (muito menos aquilo outro)

Laço a noite
pelo pé de apoio... uivo
e cães da noite se me irmanam.

Tateio as chaves
entre as frestas do chão,
fendas que passos
nunca.

Aí está o segredo: poesia do incomunicável!
Construção em letras minúsculas, em letras
rídiculas, em suma ,
ponte que leva a todo lugar.
Do que tem sentido por não ter explicação.

Uivo... a noite é minha refém.
Lança sobre mim as tuas bençãos, cro-magnon.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Oráculo

Num tremor de rosa
em que se pousa
a mão, um beijo-inseto,
uma extraviada gota;

num abalar de ponte,
em que se passa
despercebido, prestes
a ser reconhecido;

num balançar de pedra
que se desloca
amanhecida
por vento em precipício...

repete o homem
(que escuta as sibilas)
as sílabas do teu nome.

domingo, 21 de setembro de 2008

Louvor Tardio


Primavera de folhas,
ocaso de cinéreas,
a estação do luto e da bonança-

foram-se outros hinos,
ficou a mesma glória.

Os últimos náufragos
resgatados da ilha
despedem-se do vento.

O bom vento que os levará embora.
Gravura de FoolAna

domingo, 31 de agosto de 2008

Muriliano ou Do Mensageiro-Consorte


Hoje, encontrei-a

na penumbra da tarde,

no último sinal de um barco.


Um veleiro, ponto embandeirado,

marco do longe, já limpo da areia,

acenando a busca-

perdida terra prometida.


"Teus pés, donzela arredia,

não devem tocar terra firme,

não devem perder-se da tarde.


Desfolha as nuvens, canta acima... acende todos os teus faróis:

Teu senhor está vindo nas águas

(Traz jóias e tigres no peito)".
Paul Klee, The Departure of the Ships

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Cartografia do despertar


Do velado sono,
sincero abandono,
às paredes brancas
(perfume nas sancas),

acordo contigo
-no abraço, o abrigo-
e a águas tranqüilas
conduzem-me
as tuas pupilas.
Two artists in the desert, Mauricio Bouzas Gasque

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Súbito


Abre o firmamento

em uma chuva de rosas...


De onde eu venho,

nascemos com signos

na testa.

Tudo mais é tatuagem

e sai com água.


Recolho do chão

as gotas da chuva perfumada e

entrego à primeira mulher do mundo.


Ela cinge o buquê no peito descoberto

e cola a testa à minha testa.

(assim, pode ler

o que está na dedicatória)

sábado, 12 de julho de 2008

Ao Bom Pastor


Cuida da areia, agora.
Dá-lhe sabor, canta pra que ela durma.
Deixa que ela se acaricie entre os teus dedos,
cata as conchas que a parasitam.

Não deixa que a morte dela se alimente,
não descuida da unidade de seus grãos
nem do peso de seus grãos.

Há a areia, há tu
e há a eternidade.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Arrebentado


Estar numa ponta,
no viés separado
do resto.

Percorrer, percorrer, a linha
o único caminho existente,
a única via definida.

Até o fim, até o meio,
até o começo...



... estar na outra ponta.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Sem nós


Então, meu bem... é isso. Não se sabe o que é, mas é isso e isso é o que é: eu por aqui, você por aí, eu por mim, você por si e assim volta-se à trajetória incial da inércia. Você, com seus afazeres e eu com os meus a fazer.
Eu aqui, você aí e um mundo maravilhoso e promissor à nossa volta. Estancados, amputados e libertos. Sem peso, sem culpa. Abandonados à sorte, pra minha e sua sorte, pra sorte de quem virá em seguida. Sim, meu bem, vive-se num celeiro de outros, é-se os outros e há outra pessoa em mim e em você. Pessoas. Um monte. Um monte de.
Veio-se bem, até certo ponto. Ainda brilhava. Ainda pulsava, mas, agora, dormiu de vez. Voltou pro túmulo, cansado, suicidado. Mas, veio-se bem até.
Mundo maravilhoso esta terra em que se pisa. Promessas, promessas, oportunidades e força. Uma mão amiga a cada esquina, um sorriso de dentes lindos e brancos a cada olhar. Será mais fácil do que se pensa.
Irrelevemo-nos.
Não tem receita, mas em se criando um calo, a farpa é absorvida e assimilada pelas células. Não se coça o local.
Não se sopra a brasa e ela vira carvão. O vento é inimigo do diamante e precisa-se, agora de dureza e transparência. A melhor saída é a invulnerabilidade e a melhor solução é não ser pedra no próprio sapato.
Por aqui e por aí, desiste-se. Dói, maltrata, mas assim é a vida. O amor é um deus alienado. A dor, uma criada devotada. Fica-se com a vontade, mas essa passa, arrefece, procura outro objeto, encontra e quer outra vez. Querer a mesma coisa em outra coisa. Aprendizado.
Deixa-se, agora, o nunca entrar em casa, recebido com angústia reverente. Um médico de família.
Vou, vai, não vamos mais. Sou, é, não somos mais.
Que assim seja.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Prece a Nemesis


A Ti, mais justa e bela Vingadora,
Espada sábia, Deusa-Maestrina,
Eu ergo a voz em chamas nesta aurora,
Eu clamo a Tua presença em minha sina.

Filha da Noite, atenta ao que, lá fora,
Rasteja além do alcance à minha retina:
O verme que meu coração devora
Abraça o meu Amor em vil neblina.

Eu rogo a Ti que cortes os seus braços,
Que a máscara vilã quebre em pedaços,
Ao destro golpe por Ti desferido...

Que meu Amor enxergue em tais abraços
A teia em que meu coração, nos laços,
Debate-se, em vão, pra não ser comido.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

quinta-feira, 27 de março de 2008

Feito um Gato


Acontece, às vezes. Ficar feito um gato. Eu gosto, quando acontece. Não estou pra nada além de mim e dos meus poucos apreços, indiferente ao amor e ao ódio da humanidade pelos séculos, pelos secos, pelos óculos... oco ou eco, soco ou suco, não estou lá.Feito um gato, sete vidas pra desperdiçar. Lembrar de coisas ruins e boas, de pedradas e sardinhas, de perseguições e concorrências, de pupilas redondas e pupilas verticais... lembrar-se disso e dar a última lambida na própria pata, até a garra, até vê-la abrir o leque feridor pra depois vê-lo se retrair em dedos macios de algodão... chacoalhar gostoso a cabeça, espreguiçar e dormir quentinho.Posso morrer sete vezes esta noite. Estarei dormindo... e ronronando...
...feito um gato.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Antisalmo


Onde.

Mãos tão voláteis quanto
a alvura dos anjos.

Meu ventre seco a parir correntes.
Aços vomitados sem guarnição de tempo.

Tambores, tambores e trombetas...
esqueletos crescem no jardim.

A deriva de um corpo são
um corpo santo alvejado
pelas flechas extirpadas.

Não há dignidade quando fecho os olhos.
O escuro me
espanca...
a porta se cala...
a porta se cala.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Texto pra foto


É... texto pra foto.

Tenho o costume de procurar imagens pela rede para ilustrar meus textos, mas desta vez, foi inevitável. Antes a foto, depois o texto. Algumas das imagens aqui do meu espaço têm até mais expressão que os próprios textos que ilustram. Creio que este será um caso desses. E vou tentando o texto pra foto. Mas... vamos olhar pra foto. Era pra ser um contraste, mas acabou não sendo. As engrenagens, se montadas e azeitadas, fariam um contraste com a flor murcha, ressequida. Máquina viva e vida morta. O cartesiano sobrepujando o fractal, a forja acima do fluir, o ferro vencendo a flor. Mas não está lá. Assim como também não se vê a flor viçosa, o perfume quase perceptível pela sinestesia da cor, triunfo da natureza sobre o progresso, como querem os musgos, líquens e ervas daninhas. As ervas daninhas são indicativo de máquina parada. Pois bem, não se vê a flor em seu cavalgar fixo expelindo cio e primavera em deboche à quinquilharia. Não há languidez a brotar do baldio da imagem, não há brotar, não há, não há. Há abortar, desbotar, descarrilar. Acabou a foto nisso. Na morte. É a foto de um crime, prova substancial e incontestável de negligência e abandono.

Não. Não é. A foto não é. Porque a destruição é, mas a não construção não é. Não há ruína, é perceptível que é apenas um cenário. Tem que ser apenas um cenário para ser. É uma montagem tosca, um arremedo, um logro, isca. É uma isca. A foto nunca aconteceu. Nada foi flagrado, um engodo arquitetado de improviso, onde o perdedor é quem vê. Eu, você, o autor e outros tantos ou os poucos que passam por aqui, todos perdedores. Perdemos o que podemos ver, o que podemos descrever e passar pros outros, fermentado ou cru, guarnecido ou comido no pé. Deparar-se com o nada e obedecê-lo, bestialmente, subestimando a força da própria existência. Em momentos como este, um ácaro, um boi perdido e o cu ínfimo de uma lombriga existem com a força tirânica de um milhão de Neros, pensam mais que toda a Antigüidade antes e depois de Sócrates e queimam em vida abundante, num jorro único de esperma existente e ultraexistente. E nós, hahaha... e nós, aqui tentando existir, parados diante da vitrine espelhada da expectativa póstuma de existir. Flor e ferro. Nada.

Voltem pra casa. Não há nada pra ver aqui.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Balada Absoluta


Homem
que mira à frente,
em cujo sangue correm
desembestados
os cavalos... todos eles.

Alma povoada de pólvora, sacrifício
e o calor depois das chuvas.
Corpo insone e voraz-
olhar de pântano, mãos conjugadas do carrasco e do mártir,
tripas de sal, secura de amor bravio, enfuna no peito o ar espiralado das pipas que encontraram seu fio mortal.
A obra não termina, a fabulosa jornada selada nas pupilas e entre os dedos.
Senhor dos caminhos e martelo dos obstáculos, segue e se agiganta a cada passo... impulsiona novamente o mundo.
Apruma tempo e espaço nos moldes dos músculos.


sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Curinga de Copas


Ao final... sobra-te o riso,
sobram-te espaços, papelada e mapas (que a Terra desatualizou).

Ao final...

sobra-te.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Hieroglifo


Retorna ao fundo
o elemento,
núcleo fechado.

Orbita as horas -
transita, inoperante,
um círculo reticente.

Ídolo perdido
entre musgos,
deus esquecido...

aguarda o estrépito
que está escrito.
"Broken Idol at Copan", Frederik Catherwood

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Página arrancada


No fundo dos olhos,
impressa
a imagem rápida da ventania.

Blocos surdos,
poses tortas...
vazio que alimenta o oco.

Perdido, após o brilho-
buscando latitudes no Sol.

"Não há nada a temer"
Me diz o irmão que não tive.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Salmo I


Absorção
de mucos e nêspera
na espera, na música,
no suco.

Bebe, e lambe o que bebe...
sabor por sabor em conta-gotas.

Aspereza...
óleo santo que destila
ao novo ritmo-
nova liturgia
que ecoa nas paredes
do templo antigo.

Canta, e lambe o que canta...
notas esparsas- claves
chovidas nos cantos
da boca.
Portrait with Red Berries, James C. Christensen