sexta-feira, 13 de junho de 2014

A face real

O espelho é o melhor amigo do homem. Mais fiel que o cão, mais acolhedor que a mãe, mais pontual que o sol e mais sincero que a verdade. É através dele que despimos as máscaras, que descobrimos cicatrizes, feridas e marcas do tempo, dos excessos e também das faltas. Um espelho nunca mente, nunca exagera, nunca poupa e nunca distrai. Somente o espelho é capaz de dizer, sem rodeios, aquilo que é preferível não ouvir, ou o que seria melhor não enxergar. Ele não deixa possibilidade de fuga ou dúvida, nem oferece alternativas à realidade. É o espelho linear, opositor, cristalino, quem tira o homem de nirvanas etéreos e o traz de volta ao apocalipse bruto e cruel de sua condição. Os homens deveriam adorar os espelhos, como fazem com deuses e heróis. Adorar por, em sua lucidez de lâmina fria, dimensionar a nudez fatídica de quem quer que vá até eles, afugentando o medo e a ilusão de que nenhum de nós está sozinho.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Beleza Borrada


A sombra, não a imagem inteira.
O que não tem contraste por não ter contornos.
Um índice, um sussurro apenas.

Eu só saio em busca
do que parece que está lá.
Do que penso que está lá.
Seja lá o que for.
Seja onde for lá.

Se parece que me chama.
Se parece que me quer.
Eu vou.
E só me entrego
ao que é inexato.

Amar é uma questão de fé.
Fé que tenho nos enganos do meu corpo.
Crença em lendas e confabulações.

Meu amor é do tempo em que os homens
aprendiam dos animais.
E, por conta disso, já não encontra
sabedoria nos mais velhos.

Porque é preciso ser
muito velho, mais que antigo,
pra eu compreender e aceitar como certo
o que me dizem.

Vou em busca dos trechos perdidos
riscados e cortados
da versão final de quem eu amo.
Procuro, entre o que está escrito, o que foi apagado.
O ímpeto, o baixo-relevo invisível.
Tudo que preciso encontrar é a ignição
Reverter a cinza em fogo
e finalmente, o fogo em faísca.

É na centelha
que reside meu desejo.
É no atrito primevo,
que termina
minha busca.