Tudo indo. Nem bem nem mal, mas indo. Quando é assim, é quase uma modéstia de indo mal, mas no fim das contas, fica mesmo indo.
Estava (e está) tudo indo. Voltando pra casa, sexta-feira de muito trabalho, sentado num lugar de janela do ônibus. A mesma paisagem, sem movimento ou nuances. As mesmas paradas, umas velhas também voltando pra casa, riram risadas de bruxa, por algum motivo, lá nos lugares reservados da frente. Outra parada, entra bastante gente. Entra uma moça, senta-se ao meu lado. O último lugar vazio disponível. Nem bonita nem feia, quase modéstia de bonita. Cheiro neutro. Senta-se ao meu lado.
Apesar de as janelas mostrarem sempre a mesma coisa, sem movimento nem nuances, é onde meu olhar se concentra, nos trajetos. De noite, consigo ver um pouco do meu rosto, incorporado àquilo. Uma coisa e outra chamam atenção, às vezes. Algo no céu, mulheres bonitas, o rio e a serra na ponte, os flashes de conversa e os semblantes puídos da gente daqui. Mas, sutilmente, eu tentava captar a mulher, com visão periférica, mais inclinado ao interior do ônibus.
Ficamos um pouco encostados um no outro, eu e a moça. Um ponto no meu braço, outro na minha perna. Os braços, não há como desencostá-los, mas a perna poderia ser recuada. Não foi, a minha nem a dela. E tudo assim... o ônibus, as velhas, os outros passageiros, a paisagem mesma e sem nuances. A moça e eu, indo, colados por dois pontos sem reticências nem final. Quase (muito quase) modéstia de reticência, mais ainda, de travessão. Um calor trocado, sem alternativa, dois pontos de contato espontâneo, que o acaso imprimia no tudo que ia. Nenhuma vontade, nenhuma tensão.
Apenas aquela versão inédita de misericórdia, passando entre os tecidos da minha pele e de sua blusa, e de nossas calças. Uma pietá mútua, singela e osmótica, de que talvez ela também se tenha dado conta. Fomos indo, através da noite, atrelados ali, laquéticos, mas em frouxidão. Um carinho morno de poros amassados e pontas de nervos, fagulhando sinapses naquela escuridão que jamais nos abandona.
Emproei-me, para solicitar a parada, apertando o interruptor do acaso, deixando, naquele ponto, seu fio e sua meada, e seguir com o meu e a minha.
Ela girou no assento, abrindo caminho.
Obrigado.
Indo na direção da porta, olhei pra seu rosto. Baixo, concentrado nas mãos cruzadas sobre as pernas, agora bem juntas e centradas. Olhos cansados ou tristes. Era bonita.
Saltei.
Apesar de as janelas mostrarem sempre a mesma coisa, sem movimento nem nuances, é onde meu olhar se concentra, nos trajetos. De noite, consigo ver um pouco do meu rosto, incorporado àquilo. Uma coisa e outra chamam atenção, às vezes. Algo no céu, mulheres bonitas, o rio e a serra na ponte, os flashes de conversa e os semblantes puídos da gente daqui. Mas, sutilmente, eu tentava captar a mulher, com visão periférica, mais inclinado ao interior do ônibus.
Ficamos um pouco encostados um no outro, eu e a moça. Um ponto no meu braço, outro na minha perna. Os braços, não há como desencostá-los, mas a perna poderia ser recuada. Não foi, a minha nem a dela. E tudo assim... o ônibus, as velhas, os outros passageiros, a paisagem mesma e sem nuances. A moça e eu, indo, colados por dois pontos sem reticências nem final. Quase (muito quase) modéstia de reticência, mais ainda, de travessão. Um calor trocado, sem alternativa, dois pontos de contato espontâneo, que o acaso imprimia no tudo que ia. Nenhuma vontade, nenhuma tensão.
Apenas aquela versão inédita de misericórdia, passando entre os tecidos da minha pele e de sua blusa, e de nossas calças. Uma pietá mútua, singela e osmótica, de que talvez ela também se tenha dado conta. Fomos indo, através da noite, atrelados ali, laquéticos, mas em frouxidão. Um carinho morno de poros amassados e pontas de nervos, fagulhando sinapses naquela escuridão que jamais nos abandona.
Emproei-me, para solicitar a parada, apertando o interruptor do acaso, deixando, naquele ponto, seu fio e sua meada, e seguir com o meu e a minha.
Ela girou no assento, abrindo caminho.
Obrigado.
Indo na direção da porta, olhei pra seu rosto. Baixo, concentrado nas mãos cruzadas sobre as pernas, agora bem juntas e centradas. Olhos cansados ou tristes. Era bonita.
Saltei.
10 comentários:
É nestas horas que se manifesta a grandiosidade do ser humano; um ser que é capaz de criar com uma facilidade divina. Meu irmão, sinto orgulho de você. És um verdadeiro artista, além de amigo. Parabéns!!!
potência, disse lá no outro, repito nesse: não bastava vir bonito? tinha de vir talentoso?
beijo enorme,
E.
texto muto bem escrito, na vida tudo tem dois lados, não se escapa disso
bj
Querido!! Muito bom !
Precisava da leitura hoje!
Obrigadaaaaaa!!
Não sei há quanto tempo, mas você voltou.
Besos,
Fan*
<3
A cada instante desses perdido é como se deixássemos de viver o ê.
Descreveu descrito com uma sensibilidade do momento que até causa medo, frio na barriga talvez...
Uma pessoa que sente tudo isso, que tem consciência e que além de tudo descreve tão bem, é facilmente escorregadia das mãos e corações. Já percorri em ônibus, trajetos como este, posso garantir, eles se repetem.
Parabéns.
Tão grande sensibilidade! Quase tão grande como a de um anjo. Tenho orgulho de você. Te adoro. Tenho enorme admiração por você.
Tão grande sensibilidade! Quase tão grande como a de um anjo. Tenho orgulho de você. Te adoro. Você sempre terá minha admiração.
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