terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Margem minha


Meu pai era um nadador e tanto. Para o corpo e rosto peludos, se desenvolvia muito bem, especialmente em correntezas. Para pular na água, principalmente depois de almoçar e quando havia sol alto, persignava o "molha sempre a nuca e os pulsos antes de entrar" e pulava, flecha ombruda, de ponta. Submergia e aparecia em algum ponto destoado da lâmina, flor eriçada d'água, cabelo no olho e gotas na barba. Bufava, libertando os pulmões do ar, com grande alarme, e tampava a bracejar, com não maior silêncio. Eram três moleques: O Pirapitinga, meu pai e eu. Trifonte da juventude, numa estampa cuja perspectiva está em meus olhos, pessoal e intransferível santíssima trindade. Há dois anos que o Pirapitinga se secou de meu pai. Hoje, só há uma margem no rio.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

O homem do lado de fora


Sem medo de rua ou fome, traçante ser vivente pedaços de si deixa, deixa e assim vai se deixando. Inteiro ninguém o vira nem viria e não há espelho para. Quem se dele chama atenção, vê menos que corpo, não-decomposição mas urgência e rota.
No fim dos dias, tudo haverá se consumado, para que venham novos dias dever de vir. Por eles próprios, caminhos sem ele, sem passos dele, sem alvo. Alvorada insana de insones tropas.
Quem lhe ouviu trovejar já não ouvidos e há roupas e tingimentos fortes, cada uma a um lugar. Vivência uniformizada, diz a experiência não te aventura nudo, palerma!.
Mas, ouvidos possam. Não, não podem. Não há parede, não há ouvido. Tudo é andejar dele, todo lugar é dele e dele tudo, tudo, tudo, até o que.
Capaz de cruzar a nado, capaz de chegar voando. Muita, muita a capacidade.
Ele não tremerá sequer piscará, ele não. A bala, o alerta, o parachoque. Não de luzes nem de estampido. Disso não morrerá.






René Magritte, Le Modèle Rouge